Pai e filho: Marcados pela traição -Parte II

Dr. MARCO AURÉLIO  REIS:

Minha cabeça não compreendia se tudo aquilo poderia ter um significado lógico. Conhecia o Sanatório Bela Vista como uma entidade de auxílio a pessoas mentalmente danificadas. Não entendia o que estava eu fazendo naquele lugar mas, instintivamente, aos trancos e barrancos, fui caminhando em direção ao portão principal. A pior parte foi achar a campainha e, a segunda pior parte foi conseguir tocá-la, tal a minha embriaguez.

Eu apertava e não ouvia o menor ruído de gente se aproximando. Estava ali lutando com a campainha e sem notar, já havia uma figura postada à minha frente, gorda e baixa com ar de reprovação e medo. Ela me olhava fixamente tentando compreender o significado daquela figura física esdrúxula e lamentável. Não disse uma palavra, a senhora segurou pelo braço e me conduziu para o interior daquele prédio.

Fiquei por um tempo sentado no banco de cimento, enrolado em um cobertor que mal cobria minhas pernas. Serviu-me um café e uns biscoitinhos e disse que alguém viria falar comigo em breve.

Passados não mais que quinze minutos, aproximou-se um homem de uns quarenta anos, vestido esportivamente e com um jaleco branco que o identificava como médico. Não conversou e nem me perguntou nada, acho que meu aspecto desprezível bastou para que ele tomasse as mínimas providências. Em vinte minutos já estava de banho tomado, vestindo um roupão com as siglas do sanatório. Percebi a entrada do médico no quarto que me instalaram, foi quando senti no braço uma agulhada. Apaguei.

O sono profundo foi à viagem espiritual mais importante da minha vida. Aquele Sanatório, aquele médico e o que aconteceu a seguir , simplesmente salvaram a minha vida, que até pouco tempo atrás era  cheia de carinho, amor, saúde, dinheiro e de muitos amigos.

Fui acordado na manhã seguinte pela mesma enfermeira que me ajudara  na porta. Era muito cedo ainda, ouvia o piar dos passarinhos e de pessoas falando lá fora, perguntei a ela o que havia acontecido. Ela sorriu e disse que não fora nada de excepcional, que eu havia bebido um pouco a mais, só isto. Enquanto falava, aplicava uma injeção e, em seguida me deu um tablete de açúcar pra segurar. Pediu pra colocar o açúcar na boca quando não resistisse a tremedeira que iria sentir. Dito isto, saiu do quarto. Em segundos comecei a tremer muito, cada vez mais, transpirava, meu coração disparou. Senti medo daquilo, até porque ainda estava torpe pelo meu estado etílico.

Minha sensação foi a pior possível. Não sabia o que estava acontecendo comigo, não sabia onde estava e porque estava lá.

Quando senti não resistir mais, coloquei o tablete de açúcar na boca e, imediatamente parou aquele delírio. Fiquei por alguns minutos em estado de choque e aos poucos foi clareando minha mente. Levantei, havia um jarro de água ao lado da cama. Bebi uns três copos e fui em direção à janela tentando me localizar.

Era tudo muito arborizado, havia pessoas de pijamas circulando pelos jardins. Olhava com tristeza para elas. Neste instante alguém bate à porta e entra sorridente. Era uma senhora de cabelos muito brancos e vestia um jaleco escrito “Sanatório Bela Vista”. Senti um arrepio. Lembrei-me porque fui parar lá. Simpática, aquela senhora apresentou-se como diretora administrativa daquele lugar. Desculpando-se me informou que retirara de minhas roupas molhadas os documentos. Perguntou se havia alguma pessoa a qual ela poderia contatar e respondendo que “sim”, dei o telefone da casa de minha mãe.

Convidou-me em seguida a tomar o café da manhã e conhecer o médico responsável. Meu estado físico e mental não acompanhavam os passos e as palavras ditas por aquela senhora. Cruzei com dois homens muito fortes que me pareceram saudáveis demais para aquele lugar. Com o tempo soube que eram preparados para manter a tranqüilidade dos “pacientes surtados”.

Tomei o café e me dirigi ao consultório do doutor. Havia uma ante-sala muito escura e sem qualquer decoração. Sentei e aguardei. Passados trinta minutos entrou um homem com sorriso amplo e esticando a mão para me cumprimentar. Aos trancos e barrancos levantei-me daquela poltrona velha para corresponder ao seu cumprimento. Pediu então, que entrasse na sala ao lado. Ele já sabia meu nome e minha idade, aliás, estava completando vinte e três anos naquele dia. Nove de julho.

Apresentou-se como Marco Aurélio e pediu que eu ficasse tranqüilo, pois se tratava de mera rotina de procedimentos. Fiquei mudo por alguns instantes. Ele também. Tentava não encará-lo. Ele ao contrário fazia questão. Sentindo que estava em condição inferior, abri a guarda. Comecei, muito lentamente, a querer saber onde estava, porque estava e que medicação fora aquela do quarto. Ele disse que eu estava bastante intoxicado pelo álcool e que era preciso fazer uma intervenção de “choque”. Explicou que a injeção de insulina provocava uma reação corpórea que fazia eliminar muito líquido de forma rápida. Sua maneira de falar olhando nos olhos me fez aos poucos readquirir a confiança perdida. Pediu para que eu me movimentasse pelas alamedas daquele lugar e que iríamos aguardar a chegada de algum familiar. Pela hora do almoço reconheci à distância àquela mulher de silhueta elegante. Era minha mãe.

Encaminhei-me em sua direção e, após beijá-la fomos em direção da administração. Houve uma conversa reservada entre mim e o doutor Marco Aurélio. Alertou-me do fato de que, talvez, eu não estava usando bebida por alcoolismo mas sim, por auto-rejeição. Minha cabeça pirou. Não entendi porque ele havia dito aquilo. Nunca havia pensado em auto-extermínio. Ou havia?

Para tanto, era preciso ficar internado naquele sanatório.

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