Pai e filho: Marcados pela traição – Parte-III

Enquanto esta conversa se dava, em outra sala minha mãe se entendia com aquela senhora que foi ao meu quarto. Fomos almoçar juntos com os outros “hóspedes”.  As mesas eram grandes, cabiam pelo menos oito pessoas. A comida me parecia muito gostosa, não sei se pela fome que sentia ou pelo paladar que recuperara. Em seguida, fui mostrar a minha mãe a nova moradia. Percebi que seus olhos estavam lacrimejantes.

Celeyda,minha mulher,minha mãe e eu

No dia seguinte, frente a frente com o Dr. Marco Aurélio começa o processo de terapia.

Ele pediu que eu conduzisse a mente para as lembranças mais remotas de um passado não tão distante.

Pouco sei da minha infância, talvez por algum trauma, talvez pela vontade inconsciente de esquecê-la.

Caminhava lentamente pelas alamedas arborizadas daquele Sanatório. Aquelas pessoas com as quais eu cruzava me traziam muita tristeza. Eram seres humanos desvalorizados pela vida,  pela intolerância e a incompreensão de suas famílias. Era-me exemplar e deprimente ao mesmo tempo. Difícil viver ali.

Minha cabeça rebuscava um pouco da infância, que é bastante obscura para mim. O esforço de memória me deixava tonto, tinha a sensação que ia desabar a cada momento. Meu coração disparou. “Desabar a cada momento?!”. Isto mesmo. A sensação de cair, de desabar me soava como “pânico”. Por que? O instinto me empurrou em direção ao gabinete do médico. O “alerta” fora dado em minha mente. Eu queria contar ao doutor imediatamente. Dirigi-me ao seu gabinete. Era-me tão íntimo aquele consultório que fui entrando, sentando e rebuscando revistas pra folhear. Aquelas revistas eram soníferas, já as tinha lido diversas vezes. Pus me a ler e fui lentamente viajando pela minha memória…

…Meu querido irmão.

Meu pai com o Binho,meu irmão mais velho,no colo.

Rubens era o mais velho dos três irmãos, muito parecido comigo na aparência, impressionantemente parecido. Um menino que gostava de bola, da vida e de gente. Sorria o sorriso dos anjos, puro, sincero e ingenuamente belo. Rubens era também o nome de meu pai, o que me trazia muito orgulho. Brincávamos os irmãos nos jardins da casa, e sempre o “Binho”, seu apelido, era o mais engraçado e o mais palhaço. Riamos muito com ele.

Não sei como tudo aconteceu. De repente ele começa a atrofiar, se torna débil naquela maldita cadeira de rodas, só balbucia algumas palavras mas, nunca perdia aquele seu sorriso. Ele acompanhava com o olhar e com pequenos gestos de cabeça, os seus irmãos brincando na vida, a mesma vida que o estava abandonando, lenta e duramente penosa.

Ele sofria, eu sabia, mas como que por “encanto” aquele seu sorriso amenizava a dor da gente. Meus pais choravam muito e quem mais força dava a eles era meu irmãozinho, já quase nas mãos de Deus.

Binho, hoje um anjo, me deixou muitos ensinamentos, mesmo para uma criança de pouco mais de seis anos de idade, como eu.

Aguardava ansiosamente a chegada do Dr. Marco Aurélio. Havia uma mistura de esperança, de alegria sem entender o por quê. O tempo demorava a passar. Minha cabeça voltou a viajar distante… tão distante…

…Hermano, meu Nonno.

Figura doce. Pelo menos esta era a minha perspectiva dele. Ex-funcionário público municipal, se aposentara muito cedo, acho eu.

Não sei quantos anos eu tinha nesta época mas, não mais do que quatorze. Percebia nele uma grande agitação a procura do que fazer. O trabalhar para ele era vital, mas isto não acontecia. Seu passa-tempo era preparar uma bela pimenta vermelha e temperá-la com azeite e… malagueta. Como sempre tinha pão fresco em casa, (ele morava conosco) colocava aquela verdadeira bomba entre os pães e se deliciava verdadeiramente desta maneira. Ato seguinte, vinha o cafezinho, que era para prepará-lo pro seu “Beverly”, que dos cigarros, com certeza, era o mais forte. Um perfeito estoura peito mas para ele, aquele cigarro não passava de uma cigarrilha para senhoras de piteiras. Em seguida, tirava sua soneca e ao acordar não dispensava a bebida favorita. Vermouth regado à cachaça… que de uma golada só, pronto, já era.

Os anos finais de sua vida foram rápidos e breves. Começou a sentir falta de sensibilidade em sua perna direita. Pedia-me, só pra se certificar que aquela ausência de vida em sua perna era real, que eu acendesse o isqueiro e passasse sob a parte interna de seu joelho. Fiz isto diversas vezes, por dias, meses e, nada. Nada de dor, de sensibilidade, de presença de vida. Estava morta aquela perna. Seu sofrimento aumentava na mesma medida em que sua energia o solicitava. Queria viver, trabalhar, participar da vida da família, dos netos.

A outra perna também se desligou do seu controle. A sua terrível vontade de viver foi aos poucos minguando, minguando. Ele não soube que morrera de câncer na coluna. Lá se foi meu avô de origem francesa. Um verdadeiro Lorde. Quero guarda-lo na memória do meu coração como o homem esbelto que fora, com aquele andar animado de alguém que, mal podia conter a vontade de chegar em algum lugar, fosse o lugar que fosse… e o chegar, enfim, o acolhera para sempre.

Hermano Dupré. Seu nome e suas histórias, que devem ser muitas e que mal pude conhece-las.

…Minha angústia aumentava. Minha cabeça martelava… “Desabar a cada momento?!”… Por que me incomodava tanto aquela sensação… “Lembra Sérgio… lembra!” Levantava e sentava seguidamente. Eu precisava entender o que acontecia comigo. Devia ser alguma coisa que vinha de repente, assustadoramente rápido mas, sabia por intuição que não estava relacionado com a minha vida. Parecia que era algo em mim. Dentro de mim. Precisava daquela resposta.

Interessante, meu pai vinha e ia como o planar de uma pena em minha cabeça.

De repente…

30 comentários sobre “Pai e filho: Marcados pela traição – Parte-III

  1. Caroline,
    De fato, a leitura em capítulos tem esta dificuldade,porém,a história realmente deve ser contada em conta-gotas,pela sua dramaticidade.
    Obrigado e,continue minha leitora.

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