“Primo Carbonari, a Grua e a Televisão”



Historinha rápida.
Durante 5 anos realizei duas séries musicais para Televisão que considero antológicas:
“ Especiais”:

“Caros amigos” – Chico Buarque
Milton Nascimento – Elis – João Bosco – Tom – Vinicius – Toquinho etc…

“Série Documento”:

Adoniram Barbosa – Ataulfo Alves – Ângela Maria-Cauby Peixoto, etc …

Eu gravava normalmente a partir das 10hrs da noite no estúdio da Bandeirantes.
Terminava às 6hrs da matina.

Nesta noite iria fazer o Especial com a Elis Regina e César Camargo Mariano…

Bem, no final da tarde, o estúdio foi pintado, cenário, contrarregragem, os instrumentos musicais e toda a parafernalha que se usa neste tipo de gravação estava totalmente pronta.

Nunca se havia usado “Grua” em televisão… Havia o “Dolly”, com movimentos verticais que na verdade era um tripé de câmera sofisticado.

Bem nós íamos trabalhar com uma Grua. E não era uma Grua qualquer. A Grua era do… Primo Carbonari. Imaginem.

Vcs tem na memória a imagem do Carbonari?
Sabe aquele avô “esporrento” que todos nós gostaríamos de ter. Era o próprio.
Vou tentar visualizar a cena pra vcs.

Cenário:
Escada de ferro ampla e de degraus estreitos.
Muito íngreme.
Quarenta e tantos homens, (imagens épicas) desde o garçon da diretoria até os porteiros… (sons de muitas vozes)

Éramos muitos. (imagens de arquivo de “Ben-Hur”)

A Luta se seguia. (imagens de arquivo de David e Golias)
Nós e a Grua do Primo.
A Grua do “Primo” de 800Kg e nós subindo a escada… Isto mesmo, a tal escada de degraus íngremes e estreitos.
Ficamos muitas horas (eu disse horas) pra fazer subir aquela Grua pela escada acima. Meu Deus.
Quando a Grua do “Carbonari” chegou no topo da escada, um bando de engenheiros, em desabalada carreira,veio em nossa direção.

Cena:

Engenheiros:
“Pô, quanto pesa isto aí?”

Primo:
“Isto aí não… Tem nome… Grua.”

Engenheiros:

Tá bem, desculpe. Quanto pesa esta grua, o senhor sabe?”

Primo:
“Mais ou menos uma tonelada”.

“UAU!”… exclamaram os engenheiros.
“Vamos ver se a lage (ou algo assim) tem capacidade pra”isto aí”!

Primo:
“Isto aí não, po!!.

Todos ficamos numa expectativa tremenda.
Imaginou se não desse?
De repente!…

Fui chamado na direção da emissora

Queriam que eu explicasse o que seria aquilo que eu estava fazendo.
Bem, tem sentido a pergunta, partindo de quem partiu…
Explicado o assunto, volto para escada e …UAU…! lá estava aquela Grua, agora dentro do estúdio, brilhando nas mãos do Carbonari, que não parava de lustrá-la. Sensacional.

Sabe, tudo começou no dia em que eu e o Zé Microondas (cameraman de prima) fomos trocar umas “idéias” com o Primo Carbonari.
O estúdio dele ficava na boca do lixo, reduto do cinema em São Paulo.
Na primeira vez que falei em usar a grua na televisão, ele só faltou me expulsar do seu escritório.
Berrava que não dava certo, porque nunca tinha visto uma grua na televisão, porque o cinema, blá,blá,blá…

Depois de muitos dias de canseira, o Zé e eu conseguimos domar o velho e bom Carbonari, que coração tinha ele.
Daí pra frente vcs já sabem da historinha…

Qual? A da escada, lembra?

Moral da fábula:
Sem saber, o Carbonari estava fazendo história.
Foi a primeira vez na televisão brasileira em que se usou uma Grua.

Então, vamos comemorar.
Viva a Grua!
Viva o Carbonari, que partiu sem a nossa autorização, deixando um legado de paixão pela arte, de determinação pelo ofício e pela generosidade de só querer… ser humano.


Obrigado pela Grua Carbona.

 

Pequena Biografia de Primo Carbonari

Faleceu dia 21/03/2006, aos 86 anos.

Primo Carbonari, um dos maiores documentaristas brasileiros, realizou mais de três mil documentários, que eram exibidos nos cinemas, antes das sessões.

Primo nasceu em São Paulo, em 10 de janeiro de 1920.

Em 1950, Carbonari  fundou a Primo Carbonari  Produções Cinematográficas, que se transformaria na Amplavisão.

De 1964 até o final da década de 70, dominou o mercado paulista de complementos cinematográficos. Mas dedicou- se principalmente aos cinejornais, sendo o produtor mais importante do estado de São Paulo.

Nos anos 70, Carbonari  participou ativamente da política cinematográfica. Foi presidente do Sindicato da Indústria Cinematográfica, membro da Comissão Estadual de Cinema e defendeu a legislação de obrigatoriedade e controle de exibição de curtas-metragens nos grandes circuitos de exibição.

Depois de mais de vinte anos de sucesso, a medida provisória nº 151, assinada em 1990 pelo presidente  Fernando Collor de Mello, extinguiu todas as entidades federais envolvidas com o cinema e acarretou uma crise gravíssima para a atividade cinematográfica brasileira, contexto que levou a Ampla visão a encerrar suas atividades.

Primo Cabonari  viveu toda sua vida na Barra Funda. Agora, Regina, sua única filha, e o cineasta Eugênio Puppo, lutam pela recuperação de seu valioso acervo, com a colaboração da Cinemateca Brasileira.

2 comentários sobre ““Primo Carbonari, a Grua e a Televisão”

  1. Num mundo onde tao facilmente se esquece das pessoas e onde a memoria anda cada vez mais “curta”, historias como essa sao um bem-vindo e necessario “refresco” para nossas memorias. Queremos mais!

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